Quem não conhece aquela mulher
profissional, mãe, dona-de-casa, esposa que corre de um lado para outro e nunca
tem tempo para si? Quem nunca ouviu o discurso de que a vida de uma mulher
moderna é assim mesmo? Quantos produtos, serviços e tecnologias são elaborados
com o engodo de facilitar a vida da mulher moderna, torná-la mais bela, mais
saudável e jovem e, quiçá, mais resistente ao corre-corre e falta de tempo de
uma dupla ou tripla jornada de trabalho?
São cremes, academias
tipo”vapt-vupt”, procedimentos rápidos e milagrosos que rejuvenescem e uma
infinidade de outros serviços que visam atender e manter esta mulher sempre em
forma, feliz e com a saúde emocional em dia.
Mas espere um instante: se temos
tantos serviços e produtos com este intuito salvador por que tantas mulheres
ainda se queixam de não terem tempo para si mesmas? Pois é. É sobre isso que
vou falar neste artigo.
Antes de mais nada, o corpo, o
tempo e o espaço são dimensões que se encontram fora do campo de atuação da
mulher, ou seja, elas não têm autonomia ou propriedade sobre estes aspectos.
Eles devem estar à serviço de alguém, de algum sistema ou mesmo de um conjunto
de ideologias que negam, desapropriam e privatizam os desejos e as
subjetividades femininas.
Em suma, estas citadas dimensões
não são propriedades da mulher. Quantas mulheres não sentem uma culpa imensa
quando deixam os afazeres domésticos para outro momento ou em segundo plano,
quando permitem ter algumas horas de descanso e afastamento no cuidado com os
filhos? Ou mesmo quando se “descuidam” do corpo e da aparência? Realmente são
muitas obrigações a serem cumpridas e seguidas dentro deste corpo, espaço e
temo.
Não é incomum que você encontre
mulheres com empregadas em período integral que não se queixem da falta de
tempo para si. Isto acontece, que mesmo com este serviço disponível, ela deve
estar sempre atenta e zelosa com as atividades domésticas.
Assim, seu tempo
deve estar disponível para o marido que deseja conversar, para os filhos que
vão para a escola, bagunçam a casa, vão às festinhas infantis, adoecem e por
vai, para a empregada que solicita alguma orientação e para os inúmeros
pequenos serviços para que a vida familiar e doméstica esteja em ordem. Mais
uma vez, o tempo da mulher não é seu. O tempo é familiar.
E caso elas saiam do ambiente
doméstico, é fácil encontrar mulheres que precisam (ou mesmo devem?) falar por
onde andou, com quem estava o que estava fazendo para os seus maridos ou
companheiros. Quando a situação é inversa, normalmente os homens se irritam ou
se recusam em absoluto em responder. Quantas pessoas não conhecem piadinhas,
charges ou representações da “mulher chata” que está esperando o marido ou
“reclamando sem parar” das suas constantes saídas para o bar”?
Então quer dizer que o homem tem que fazer a
mesma coisa que as mulheres fazem? Não. O ponto de discussão não é este. Mas,
como se tornou natural que os homens sejam donos do seu tempo e espaço
enquanto, as mulheres precisam seguir roteiros e enfrentar uma infinidade de
dificuldades e dilemas para sair daquele quadrado doméstico e fazer com o seu
tempo o que quiser
Vamos retornar para o ambiente
doméstico. É incrível como muitos homens dispõem de espaços pessoais dentro da
casa: seu escritório, sua escrivaninha, seu computador cujos acessos são dificultados
ou negados. Por outro lado, os espaços da mulher são “públicos” e de uso comum:
qualquer um pode buscar objetos em seu armário ou pegar livremente o que aí
estiver disponível.
E esta realidade se aplica aos lugares públicos e
profissionais. Quantas mulheres, principalmente em ambientes profissionais
machistas, não tiveram seus espaços de trabalho ou banheiros ocupados,
invadidos, violados ou mesmo vandalizados? Quando estão em algum espaço público
como uma festa, restaurante, dentre outros, caso elas estejam acompanhadas de
um homem, ninguém invadirá seu espaço pessoal ou fará algum assédio e investida
sexual. Mas caso esteja sozinha ou acompanhada de uma mulher, bom... o enredo,
leitores, vocês devem conhecer muito bem.
E é nesta falta de propriedade
sobre seu tempo, espaço e corpo que muitas mulheres renunciam aos planos que
tinham antes do casamento ou mesmo antes de ter filhos tais como estudar ou
trabalhar em projetos que visem seu desenvolvimento profissional ou pessoal.
E
assim estes pequenos e frequentes impedimentos acabam destruindo a confiança
das mulheres sem si mesmas e em sua capacidade de realizar seus projetos
pessoais e profissionais.
Assim, mulheres, constato que,
muito possivelmente, que seu tempo, espaço e corpo nunca te pertenceram. Quem
sabe, um dia, não é mesmo?
Karine David Andrade Santos
Psicóloga CRP-19/2460
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