“Desvalorização do trabalho da
mulher? Imagina, que assunto ultrapassado! Não deveríamos discutir isto diante
de tantas conquistas seja em posições hierárquicas seja em ganhos salariais,
temos vários e vários exemplos de mulheres bem-sucedidas, a diferença salarial
entre homens e mulheres vem diminuindo, etc, etc”.
Realmente a situação da
mulher no mercado de trabalho está aparentemente ganhando novos contornos,
menos desigualdade e, quem sabe, estamos a um passo do fim de anos de
injustiças praticadas pelo mercado de trabalho. Afinal, as mulheres estudam
mais, são mais dedicadas, disciplinadas e outras características bem femininas
muito bem aceitas pelas empresas e o sistema econômico de uma maneira geral.
Mas, mas...seja franca (o),
quem não sente um quê de estranhamento/ confusão/incerteza de como deve lidar
com as mulheres “poderosas”, “independentes” ou que tenham algum traço mais
“masculino”. Ou mesmo quem não procura por uma característica mais viril que
justifique aquela posição ocupada? Por não falar nos casos que muitos fazem uma
investigação minuciosa e atenta da mulher para inferir algo que explique o
poder e a competência...
O que eu quero conversar
com você neste texto é sobre a posição
secundária ocupada pelas mulheres no mercado de trabalho. Então vamos lá
para mais um bate-papo.
Antes de mais nada, esta
concepção da posição secundária da mulher no mercado de trabalho e neste caso,
de desvalorização das atividades exercidas por ela, é sustentada pelo conceito
de família nuclear. Dentro deste modelo familiar, o homem tem a obrigação/dever de ser o principal/único provedor
enquanto cabe a mulher ser a principal e exclusiva responsável pelas atividades
da esfera privada.
Assim, diante deste dever com as atividades
domiciliares, a entrada do mercado de trabalho acaba se configurando como algo
secundário enquanto projeto de vida ou mesmo de identidade.
E aí você pode ter
inúmeros questionamentos: mas esta
realidade ainda existe hoje? Muitas mulheres estão priorizando suas atividades
profissionais não é mesmo? Concordo. Mas várias destas mulheres são
pressionadas, bombardeadas, ou nos casos mais amenos, questionadas de forma
mais suave sobre suas intenções sobre: casar, constituir família, ter filhos,
enfim, será que ela não vai sentir falta ou sofrer por não ocupar esta posição
tão natural da vida da mulher??
Assim não é de estranhar
que algumas formas de inserção das mulheres sejam muito visíveis na trajetória
profissional das mulheres: a primeira é exercer
atividades que representem uma renda pessoal ou familiar que constitua fonte
secundária ou dispensável para sustento da família. Uma outra expressão
desta realidade são as trajetórias sem estabilidade e repleta de interrupções
em que sua saída ou entrada seria
determinada por questões familiares.
Outro produto desta
posição social ocupada pela mulher principalmente no imaginário empresarial é
que a presença da mulher em um dado
posto de trabalho representa altos custos indiretos (uma possível
licença-maternidade), um provável comportamento profissional inadequado devido
a faltas ou atrasos por motivos familiares e um baixo comprometimento com a
empresa.
Assim, fica muito fácil excluir as mulheres das posições que
requeiram um maior comprometimento com a empresa, maiores remunerações e, até
mesmo, atividades com um maior nível de complexidade e prestígio para a empresa
e entre os seus pares. E assim, fica muito fácil para as empresas
justificarem os baixos salários e as características dos postos de trabalho
normalmente ocupado pelas mulheres.
Diante deste discurso
embasado por este conceito tradicional de família bem como pela lógica
empresarial, as mulheres se sentem eternamente inadequadas e/ou limitadas
dentro do mercado de trabalho.
Pela lógica empresarial, esta
força de trabalho é problemática, pouca adequada ou diferente diante de um
modelo trabalho masculino que possuem características de dedicação integral, agressividade,
disciplina, virilidade e disponibilidade física e psicológica para as demandas
e pressões empresariais.
Pelo conceito familiar,
as atividades exercidas pela mulher em um dado
contexto são revestidas pelo manto da invisibilidade, pouca importância ou
mesmo dispensabilidade das tarefas exercidas por ela. Assim, a posição natural,
mas desvalorizada ocupada pela mulher no espaço privado é transferido, de
alguma forma, para o seu espaço profissional.
Diante de tudo o que
estou dizendo, podemos perceber quais dificuldades estas mulheres bem-sucedidas
enfrentam até hoje. Não é de estranhar que existam aquelas cuja vida pessoal
não é prioridade pois, elas precisam provar e até defender a sua posição.
Afinal, este não é seu lugar e qualquer
deslize, sua competência profissional é posta em xeque.
Além disso, ainda existem os casos em que
algumas fazem uso de favores sexuais para angariar aumentos, posições e outros
benefícios dentro da empresa. Dentro deste contexto, também está bem implícito
que o lugar da mulher não é no mercado de trabalho.
A situação descrita acima
é sentida na pele por muitas trabalhadoras que não ocupam posições
hierárquicas. Ela se traduz no assédio moral, no assédio sexual, no
investimento e dedicação de tempo e energia física ou psicológica para
demonstrar que ela é merecedora e competente o suficiente para ocupar aquele
posto de trabalho e até, em alguns
casos, a necessidade de incorporar valores, digamos, “masculinos” de
virilidade, assertividade e demonstração de força e capacidade técnica para
estar naquela função principalmente nas atividades tipicamente masculinas.
Então, meus caros
leitores, a aparente realidade de mudança e fim das desigualdades entre homens
e mulheres camuflam muitos não-ditos,
sofrimentos, imposições e até sofrimentos psíquicos para muitas mulheres no
mercado de trabalho que, no fundo, sustenta, patrocina e se beneficia, de
alguma maneira, desta posição secundária ocupada pela mulher no mercado de
trabalho.
Se você quer contribuir
com este texto, tira dúvidas ou tem alguma sugestão de texto, fiquem à vontade.
Grande Abraço! Fiquem em
paz!
Karine David Andrade
Santos
Psicóloga CRP-19/2460
Nenhum comentário
Postar um comentário